Nos tempos do Tape-Record
Gravar fita cassete é uma arte que, temo, em breve será esquecida.Com o advento do mp3 e dos gravadores de cd, a boa e velha fitinha pode cair, dia desses, no mais obscuro dos esquecimentos.
Assim como a Luma de Oliveira e o disco de vinil, a fitinha já viu dias melhores e de mais popularidade em sua existência, sem precisar fingir gravidez para ter 5 minutos de fama (falo aqui da k-7, evidentemente). Uma fita era uma espécie de cartão de visitas da pessoa. Definia quem ela era, o que fazia, o que gostava, se era arrojado, moderno, brega, romântico, qual seu tipo de noite ideal, seu carro predileto, sem era um virgem tentando botar banca ou se era o rei do pedaço. Uma fita era o melhor cartão de visitas que havia e falava mais de você que seu irmão caçula quando levava uma namorada nova em casa (com a desvantagem que ela era insubornável com uma revista com a Luma de Oliveira).
Sim, meus caros leitores, os mais jovens dentre vocês podem não se recordar (trocadilho idiota) mas houve uma época sem MTV, sem tevê a cabo, sem celular e sem CD. Era uma época que o Michael Jacson era era negro, a Cindy Laupper era o máximo e video-cassete não era mais do que um artigo de luxo. Os temíveis anos 80.Sim, a fita era a alma dos jovens de então. Diferente do estéril (nos dois sentidos) Cê-Dê, uma fita representava você para o mundo.
Quando queria namorar uma garota de nada adiantava levar atestado médico e certidão negativa. De nada servia seu pai dar boas recomendações por telefone à família da moça ou seus professores escreverem uma carta de recomendação, nem mesmo o padre da igreja dedicar uma missa em homenagem ao seu bom coração. Você, se queria autorização dos pais de alguém para leva-la a algum lugar tinha de fazer uma fita de 60 minutos (90 em casos de maior desconfiança) gravando tudo aquilo que musicalmente te representava, e entregar para os pais do alvo de sua afeição.
Assim o carácter das pessoas era julgado pela forma como misturava musicalidades diferentes como Elba Ramalho e Dead Kennedys (revelava rebeldia e gosto pelas coisas simples, bem simples), pela destribuição harmônica de três ou quatro músicas de Chico Buarque (mostrava como você era intelectualizado sem ser esnobe), um tango (respeito a valores tradicionais) e mesmo uma versão remixada de Fuscão Preto (dizia “Olha só, tenho bom humor e vou saber divertir sua filha”). A fita devia ser entregue pelo menos na véspera do encontro, pelo correio ou pessoalmente, nas mãos do pai ou responsável pela criatura.
O coração e a boa vontade dos pais podiam ser ganhas ou perdidas neste crucial momento, mas o resultado você só saberia no dia seguinte :
-“Olha, achamos que você é um rapaz responsável, já que utilizou musica clássica, mas um tanto impetuoso, pela sua escolha de Bethoven. No entanto, a sua gravação de Gershin nos tocou e resolvemos te dar uma chance com nossa filha. Toma mais vintão para o motel, heim?”.
Ou:
-“Olha, ficamos na dúvida porque você escolheu, “Geração Coca-Cola”, no início do Lado B ...?-
- “Bom, “ respondíamos na maior sinceridade fingida –“ O fato é que me desagrada esta realidade torpe, o senhor há de entender, que segrega a juventude como uma fonte puramente consumista, sem ideais, e sem rótulos...Gostou?”
-“Huuuummmmmm..._” Ruminaria seu candidato a sogro -” não entendia musica assim, achei que era uma mensagem contra o alcolismo... Desculpe, mas a Celma Lúcia não está passando bem e vai ficar em casa hoje! Ela é moça de família seu depravado comunista. “. E era o fim.
Mesmo quando queria impressionar novos amigos, saber escolher a fita certa era algo imprescindível: Nunca tocar AC/DC para pessoas que conheceu no grupo jovem, por exemplo, nem Madonna para aqueles amigos que gostavam de espetar alfinetes na cara, e menos ainda “Balão Mágico” para aquelas meninas novas da sala. Queimar o filme era muito fácil e muito fino equilíbrio havia entre ser “Cool” e um CÚ (desculpem o palavreado chulo, mas assim me faço entender melhor).
O Auge do orgasmo era um rádio toca-fitas com duas entradas de fitas, assim podíamos fazer as mais pecaminosas das combinações sonoras e mostrar todo o nosso potencial maníaco-obssessivo com músicas milimetricamente medidas e cronometradas. A gente, antes de gravar, tinha de puxar a fita transparente até o início da fita marrom, deixando a coisa pronta para iniciar a gravação instantaneamente (muitos namoros foram desfeitos por causa de erros primários como 5 segundos de espera a mais em uma gravação “BASF” de dia dos namorados), precisão no fim de uma música e início de outra (Mais de ½ segundo para se ligar que acabou, e menos de 3 segundos, para dar a impressão de que você era um expert na arte da gravação).
Também as músicas tinham de caber EXATAMENTE nos lados de 30 ou 45 minutos. Nada de ficar com espaço sobrando, não apenas pelas razões acima citadas, causadoras de certo desconforto no ouvinte, mas também pelo tempo de ócio criativo que nossas namoradas podiam ter: “Nossa, esse silêncio do fim da fita do Serginho ta demorando para acabar... vou fazer alguma coisa enquanto espero... Já sei, ligar pro Valtão, e ...quem sabe...dar para ele? Boa idéia”...
A fita acabava, mas a doce Celma Lúcia não estava mais lá sentadinha no quarto rosa dela, ouvindo sua declaração musical de amor, contrabandeada pelo irmão caçula. Estava, nessa altura, após ter esperado intermináveis 10 segundos de silêncio, ido ao quarto dos pais para telefonar para outro cara mais atencioso com o tempo dela. Na hora que tocasse a romântica “Geórgia” com o Ray Charles, a vagabunda ia estar batendo um fio animada com o Valtão no quarto dos pais e combinando de ir ver o aparelho de CD que ele tinha ganho. Ela não podia ouvir sua fita, a vagabunda.
Terrível, terrível realmente!
Assim como a Luma de Oliveira e o disco de vinil, a fitinha já viu dias melhores e de mais popularidade em sua existência, sem precisar fingir gravidez para ter 5 minutos de fama (falo aqui da k-7, evidentemente). Uma fita era uma espécie de cartão de visitas da pessoa. Definia quem ela era, o que fazia, o que gostava, se era arrojado, moderno, brega, romântico, qual seu tipo de noite ideal, seu carro predileto, sem era um virgem tentando botar banca ou se era o rei do pedaço. Uma fita era o melhor cartão de visitas que havia e falava mais de você que seu irmão caçula quando levava uma namorada nova em casa (com a desvantagem que ela era insubornável com uma revista com a Luma de Oliveira).
Sim, meus caros leitores, os mais jovens dentre vocês podem não se recordar (trocadilho idiota) mas houve uma época sem MTV, sem tevê a cabo, sem celular e sem CD. Era uma época que o Michael Jacson era era negro, a Cindy Laupper era o máximo e video-cassete não era mais do que um artigo de luxo. Os temíveis anos 80.Sim, a fita era a alma dos jovens de então. Diferente do estéril (nos dois sentidos) Cê-Dê, uma fita representava você para o mundo.
Quando queria namorar uma garota de nada adiantava levar atestado médico e certidão negativa. De nada servia seu pai dar boas recomendações por telefone à família da moça ou seus professores escreverem uma carta de recomendação, nem mesmo o padre da igreja dedicar uma missa em homenagem ao seu bom coração. Você, se queria autorização dos pais de alguém para leva-la a algum lugar tinha de fazer uma fita de 60 minutos (90 em casos de maior desconfiança) gravando tudo aquilo que musicalmente te representava, e entregar para os pais do alvo de sua afeição.
Assim o carácter das pessoas era julgado pela forma como misturava musicalidades diferentes como Elba Ramalho e Dead Kennedys (revelava rebeldia e gosto pelas coisas simples, bem simples), pela destribuição harmônica de três ou quatro músicas de Chico Buarque (mostrava como você era intelectualizado sem ser esnobe), um tango (respeito a valores tradicionais) e mesmo uma versão remixada de Fuscão Preto (dizia “Olha só, tenho bom humor e vou saber divertir sua filha”). A fita devia ser entregue pelo menos na véspera do encontro, pelo correio ou pessoalmente, nas mãos do pai ou responsável pela criatura.
O coração e a boa vontade dos pais podiam ser ganhas ou perdidas neste crucial momento, mas o resultado você só saberia no dia seguinte :
-“Olha, achamos que você é um rapaz responsável, já que utilizou musica clássica, mas um tanto impetuoso, pela sua escolha de Bethoven. No entanto, a sua gravação de Gershin nos tocou e resolvemos te dar uma chance com nossa filha. Toma mais vintão para o motel, heim?”.
Ou:
-“Olha, ficamos na dúvida porque você escolheu, “Geração Coca-Cola”, no início do Lado B ...?-
- “Bom, “ respondíamos na maior sinceridade fingida –“ O fato é que me desagrada esta realidade torpe, o senhor há de entender, que segrega a juventude como uma fonte puramente consumista, sem ideais, e sem rótulos...Gostou?”
-“Huuuummmmmm..._” Ruminaria seu candidato a sogro -” não entendia musica assim, achei que era uma mensagem contra o alcolismo... Desculpe, mas a Celma Lúcia não está passando bem e vai ficar em casa hoje! Ela é moça de família seu depravado comunista. “. E era o fim.
Mesmo quando queria impressionar novos amigos, saber escolher a fita certa era algo imprescindível: Nunca tocar AC/DC para pessoas que conheceu no grupo jovem, por exemplo, nem Madonna para aqueles amigos que gostavam de espetar alfinetes na cara, e menos ainda “Balão Mágico” para aquelas meninas novas da sala. Queimar o filme era muito fácil e muito fino equilíbrio havia entre ser “Cool” e um CÚ (desculpem o palavreado chulo, mas assim me faço entender melhor).
O Auge do orgasmo era um rádio toca-fitas com duas entradas de fitas, assim podíamos fazer as mais pecaminosas das combinações sonoras e mostrar todo o nosso potencial maníaco-obssessivo com músicas milimetricamente medidas e cronometradas. A gente, antes de gravar, tinha de puxar a fita transparente até o início da fita marrom, deixando a coisa pronta para iniciar a gravação instantaneamente (muitos namoros foram desfeitos por causa de erros primários como 5 segundos de espera a mais em uma gravação “BASF” de dia dos namorados), precisão no fim de uma música e início de outra (Mais de ½ segundo para se ligar que acabou, e menos de 3 segundos, para dar a impressão de que você era um expert na arte da gravação).
Também as músicas tinham de caber EXATAMENTE nos lados de 30 ou 45 minutos. Nada de ficar com espaço sobrando, não apenas pelas razões acima citadas, causadoras de certo desconforto no ouvinte, mas também pelo tempo de ócio criativo que nossas namoradas podiam ter: “Nossa, esse silêncio do fim da fita do Serginho ta demorando para acabar... vou fazer alguma coisa enquanto espero... Já sei, ligar pro Valtão, e ...quem sabe...dar para ele? Boa idéia”...
A fita acabava, mas a doce Celma Lúcia não estava mais lá sentadinha no quarto rosa dela, ouvindo sua declaração musical de amor, contrabandeada pelo irmão caçula. Estava, nessa altura, após ter esperado intermináveis 10 segundos de silêncio, ido ao quarto dos pais para telefonar para outro cara mais atencioso com o tempo dela. Na hora que tocasse a romântica “Geórgia” com o Ray Charles, a vagabunda ia estar batendo um fio animada com o Valtão no quarto dos pais e combinando de ir ver o aparelho de CD que ele tinha ganho. Ela não podia ouvir sua fita, a vagabunda.
Terrível, terrível realmente!
1 Comments:
Nó, muito bom seu texto!! Muito bom mesmooo! Viajei notempo e me vi gravando uma fita. Ahá! Kkkkkkkk!!
Adorei seu blog, o jeito como escreve, levemente escrachado!
Vou voltar!
Dani Halliday
www.misshalliday.wordpress.com
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